Consolação

O que me fascina nos metrôs é o caráter de surrealidade que evocam. Sinto uma paz que não consigo descrever. Tudo se transforma. As movimentadas ruas com suas frenéticas luzes e buzinas, mudanças climáticas e o venenoso dióxido de carbono dão lugar ao ritmo ordenado dos vagões que vão e vêm em intervalos de tempos regulares. O antes dessincronizado compasso das pessoas da superfície - que mais parecem(os) formigas - passa a um ajustamento em filas, em ordem, e em relativo silêncio. Todos ali têm destinos diferentes, por certo, mas naquele momento todos são iguais. O ambiente silencioso, neutro e de iluminação permanente, favorece uma atmosfera de "eternidade".
Sinto-me como se ali fosse aquele momento em que as almas recolhem-se cansadas depois de um longo período de atividade. Todos esperam por seu vagão para um novo destino, sendo apenas um momento de reflexão e de novo alento, antes de voltar à confusão dialética da superfície. O metrô é portanto como um breve mergulho no inconsciente, no limbo, no além-vida. É como o vácuo momentâneo antes de um novo giro no Samsara.
Guiando a locomotiva vai sempre uma figura solitária e em silêncio, que passa tão rápido que não o vemos. Imagino-a sempre como um anjo que guia o nosso destino naquele momento, recolhendo as errantes almas que buscam alento e transportando-as para a próxima estação.
E foi assim que minha alma errante e partida ali se viu, tal como num espelho. E no meio de tantas outras, encontrou o que mais precisava: Consolação.
(C) Foto: Sr. Eulálio
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