quinta-feira, março 01, 2007

Asclépio e suas virtudes


Pintura: 2005 (c) Gustavo Rosa

Asclépio era um galo muito requisitado pelas carentes galináceas que dividiam com ele um tranqüilo galinheiro. Era considerado o maioral, muito embora não possamos dizer isso do único macho no meio de uma dúzia de fêmeas. Com quem ele seria comparado? Mas galos não sofrem de baixa auto-estima e por esse motivo poderemos continuar nossa história.

Asclépio não era um galo comum. De vez em quando deixava-se levar por suas elocubrações existenciais. Às vezes perguntava-se qual era o sentido da vida, além de toda aquela farta ração de primeira, da sua grande e macia cama, das 12 belas galinhas insaciáveis nenhum pouco ciumentas, do Sol que lhe aquecia a cada dia, da água fresca e da paz do lugar. Não se preocupava com contas a pagar, nem precisava nunca ir ao dentista. O preço da gasolina não lhe era motivo de tirar o sono e George W. Bush era um nome que não fazia parte de sua vida. Ainda assim perguntava-se: Qual é o sentido de tudo isso?

Foi aí que decidiu procurar a resposta para suas indagações. Arrumou a trouxa e sairia em busca de repostas por mais distantes que estivessem. Estava determinado em procurá-las em todos os cantos do mundo, enfrentar todos os desafios, a fome e o medo. Sabia dentro de si que o Destino não poderia ter lhe reservado apenas uma vida de reprodutor. Precisava de mais do que isso. Precisava descobrir o segredo do Universo. Despediu-se de suas amantes, subiu no telhado e saltou por cima da cerca. Seus olhos faiscavam de determinação. Seu coração era nobre e grande demais para levar uma vida no automatismo e no ciscar diário na terra. Vislumbrava a conexão com o Infinito...

Foi muito rápido. Antes que atingisse o chão por fora do cercado, a cadela Sofia, uma Fila Brasileira que ali rondava, apanhou-o de um só lance, abocanhando-o no pescoço, este último separando-se da cabeça rapidamente. De um lado a cabeça de Asclépio piscava os olhos rapidamente na velocidade em que suas interrogações eram derramadas pelo chão. Sofia alegremente balançava o rabo e já se punha a arrancar as penas daquele interessante brinquedo voador. As galinhas cacarejavam, os sapos coaxavam, as moscas zumbiam, as folhas balançavam ao vento e a vida se desenrolava sem constrangimento...

Seria mesmo o fim de Asclépio, o galo existencialista?

(Fim da Parte I)

.

Marcadores: , ,